quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

DIZ QUE É UMA ESPÉCIE DE SOLIDARIEDADEZINHA…

Indiferente ao sentimento de repulsa por parte das populações de praticamente todas as freguesias do país, a maioria dos deputados com assento na assembleia da república aprovou e o presidente da república promulgou, a lei que promove a reorganização administrativa do território das freguesias e que determina que no concelho de Oliveira do Bairro seja agregada numa única aquela que passa a ser designada por União das Freguesias de Bustos, Troviscal e Mamarrosa.


Ainda antes da publicação desta lei, cada uma destas freguesias já havia interposto uma providência cautelar com vista à suspensão da eficácia da proposta de agregação agora legalizada, o que já deu lugar a despesas, taxas de justiça e honorários de advogados.

Porque nenhuma tem orçamento desafogado, as juntas destas freguesias solicitaram apoio financeiro à câmara municipal, apoio este que foi deliberado por unanimidade tendo sido decidido atribuir às mesmas um apoio financeiro correspondente ao valor dos ditos honorários, acrescido de IVA no caso de este não ser dedutível.

À primeira vista, pode este apoio ser visto como uma manifestação de solidariedade plena do órgão executivo do município para com as três freguesias envolvidas na decretada agregação; será este, seguramente, o pensamento de quem tem a memória curta, e já esqueceu que na proposta de parecer que há escassos quatro meses apresentou à assembleia municipal, o executivo municipal pugnou pela manutenção das seis freguesias com os actuais limites geográficos, assim ‘fazendo justiça às gentes que, com a sua força, sacrifício, tenacidade e altruísmo, têm feito deste concelho uma terra próspera, empreendedora e solidária’.

Nesta mesma linha foi a deliberação tomada pela assembleia municipal de Oliveira do Bairro, que de forma intransigente sufragou por unanimidade a defesa da vontade da população do município, ao fazer constar do documento remetido à assembleia da república que a implementação desta reorganização territorial é extremamente prejudicial às próprias populações, bem como ao funcionamento global da economia local, não significando qualquer redução da despesa pública, justificação base dos seus principais objectivos e resultados a atingir”.

E daí que não possa concordar-se com quem, como o presidente da câmara, defende que o apoio financeiro concedido às juntas de freguesia de Bustos, Troviscal e Mamarrosa se destina à defesa de legítimos interesses destas mesmas freguesias: é que depois de se ter ouvido o clamor que os munícipes fizeram ecoar num acto de participação cívica único e exemplar, que envolveu uma percentagem muito considerável da população do concelho, a única conclusão possível a extrair é que esse apoio se destina, isso sim, à defesa de um interesse que é do município no seu todo e não exclusivo das freguesias agregadas.

Mas para que assim fosse, qualquer actuação judicial relacionada com esta questão teria de respeitar todo o processo de discussão e reflexão que concluiu que a redução do número de freguesias em Oliveira do Bairro acabará por resvalar para uma degradação dos serviços de proximidade prestados pelas juntas de freguesia e para um agravamento de custos para o erário público.

Daí que essa actuação não pudesse ser tricéfala nem ter três sujeitos (as três freguesias agregadas) onde, cada freguesia na sua acção, esgrime isoladamente argumentos na defesa de uma causa que afinal não é exclusivamente sua, mas comum a todas as autarquias do concelho.

Não é, no entanto, isso que está a acontecer, uma vez que cada uma das ostracizadas freguesias está já a preparar a sua acção judicial, dando lugar a três instâncias em tribunal e a três distintas contas de despesas e de honorários, mandando às malvas a vontade claramente expressa pelos bustoenses, mamarrosenses, oianenses, oliveirenses, palhacenses e troviscalenses, de que a oposição à agregação devesse ser concertada em redor de um único interesse - o do concelho.

Para o efeito, o recurso à via judicial deveria revestir a forma de processo único, com a intervenção coligada e simultânea de uma pluralidade de sujeitos constituída pelas seis freguesias (juntas e assembleias) e pelo município (câmara e assembleia municipal), unidas e solidárias em torno de um interesse que é comum, e pela qual fosse por todas conjuntamente empunhada a bandeira da preservação da harmonia e do equilíbrio do município, dando lugar a uma única conta de despesas e de honorários, encargos estes que integralmente suportados pelo município, custariam uma terça parte dos que estão já em perspectiva e que são nada desprezíveis.

Se assim fosse, a solidariedade seria plena; mas como não é isso que está a acontecer, o que a realidade dos factos evidencia é apenas uma espécie de solidariedadezinha de faz-de-conta, marejada de lágrimas de crocodilo, que acaba por dar razão a quem interpreta a agregação das freguesias de Bustos, Troviscal e Mamarrosa como uma simbiose perfeita entre o cumprimento da lei e a adopção de estratégias político-partidárias.

PS: Por decisão pessoal, o subscritor não escreve segundo as regras do novo acordo ortográfico


Publicado na página 3 do 'Jornal da Bairrada' de 14 de Fevereiro de 2013